O último dia do mês de março, para os brasileiros, continua a ser rememorado mais do que devia, em detrimento de celebrações mais justas. Nossa "democracia" permite a nostalgia elitista e reacionária, ao mesmo tempo em que permite ser exibido, em rede nacional, o grande arauto da democracia, o partido situaciosista PMDB assumir seu papel de vanguarda e bravura. Não é piada mau gosto! A nossa memória é subestimada. E com razão.
Vivemos anos de infortúnio agudo, e hoje, longe dos maiores problemas terem se resolvido, alguns se foram, e com eles as lembranças de anos difíceis para as nações sul-americanas. Na noite de 31 de março, dia da "Revolução Militar", em uma bela homenagem bem prestigiada, o povo argentino deu adeus a Raul Alfonsín, o primeiro presidente eleito após o período da "Renovação Nacional" imposta pelos militares platinos ao custo de 30 mil mortos e muitos tantos agredidos e torturados.
Vivemos anos de infortúnio agudo, e hoje, longe dos maiores problemas terem se resolvido, alguns se foram, e com eles as lembranças de anos difíceis para as nações sul-americanas. Na noite de 31 de março, dia da "Revolução Militar", em uma bela homenagem bem prestigiada, o povo argentino deu adeus a Raul Alfonsín, o primeiro presidente eleito após o período da "Renovação Nacional" imposta pelos militares platinos ao custo de 30 mil mortos e muitos tantos agredidos e torturados.
E pensar o que pretendem que lembremos. Quais lembranças são retomadas pelos jornais, revistas, blogs e a TV? A nossa memória é construída na coletividade, com o outro. O cinema também buscou reconstituir estas lembranças, e produziu reflexões fantásticas.
Na Argentina, destaco três trabalhos que marcam gerações e concepções distintas dessas memórias. O primeiro deles, La Historia Oficial(1985), revela entranhas do cotidiano de uma sociedade subjugada por um "Estado terrorista", e sugere a complacência e cumplicidade a Igreja Católica diante a repressão e violência.
Anos mais tarde, Marcelo Pyñero constrói Kamtchatka (2002), que além de ser um dos filmes mais belos do cinema argentino contemporâneo, projeta uma visão diferenciada dos atores sociais que protagonizaram os anos de regime militar. Pyñero, ao contrário de Luis Puenzo em La Historia Oficial, pondera o envolvimento dos padres com o extermínio promovido pelos militares. Kamchatka soa como um "A vida é Bela" plausível.
Para os que se animam com maior ação e agressividade, Iluminados por el Fuego (2005), de Tristán Bauer, reconta os percalços e a desumanidade sofrida pelos soldados argentinos durante a Guerra das Malvinas que, para grande parte da historigrafia, foi o grande estopim da eclosão e colapso do regime militar.
No Brasil, os cineastas também promoveram visões múltiplas de episódios marcantes do regime militar brasileiro. "O que é isso companheiro?", de Bruno Barreto, resgatou o episódio do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, ressaltando com moderações a perspectiva do MR-8.
Os documentários "Vlado: 30 anos depois" (2005) e "Hércules 56" (2007) são exemplos de ótimas tentativas de reconstituir paradigmas sublimados pelo silêncio pós-anistia. Em "Vlado", é feito, acima de tudo, uma homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado em cárcere em 1975. "Hércules" constrói uma visão mais equilibrada do episódio contado por Bruno Barreto 10 anos antes.
Por fim, dois filmes recentes merecem atenção especial e são uma boa sugestão. O primeiro deles é "O ano em que meus pais saíram de férias"(2006) de Cao Hamburguer que é conhecido por dominar um repertório narrativo muito voltado à criança. Em seu longa, o diretor projeta o ponto de vista da criança, em meio aos anos de Estado de exceção no Brasil.
Por outro lado, "Batismo de Sangue"(2007), revela com maior crueza a memória de Frei Betto (baseado em seu livro) sobre o regime militar. O filme de Helvécio Hatton abandona os eufemismos e exalta a resistência dos padres dominicanos diante a repressão. Sem dúvida, uma grande nostalgia de uma geração valente que hoje parece ignorar as suas marcas da luta.
Que os exemplos de nossos "hermanos porteños" nos tragam o orgulho necessário a jamais esquecer o que se passou e valorizar uma primeira conquista (ainda faltam muitas) por um país mais justo. Façamos história!
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